À medida que se estendia ao longo de antigas e novas vias, Porto Alegre era sempre acompanhada por um problema persistente e de difícil tratamento: o transporte público. No início do século XX, com a implantação de indústrias, loteamento de arrabaldes mais afastados como São Geraldo, Menino Deus e outros, levar os trabalhadores às fábricas no início do dia e de volta à casa ao final dele exigia uma expansão contínua das linhas de bondes, o que, pela própria natureza desse modal de transporte, não era fácil nem rápido de ser feito.
Dessa forma, a prefeitura encontrou uma solução provisória que terminou se tornando definitiva: autorizar o transporte de passageiros por donos de veículos coletivos particulares. Estes, por sua vez, eram chamados de caminhões de passageiros, e só depois viriam a conquistar o título de omnibus. Precários, conduzidos por motoristas nem sempre treinados ou educados para a função, estes caminhões de passageiros eram abertos, podendo transportar gente equilibrada nos seus estribos nas horas de maior lotação.
Claro que, dadas as condições da cidade na época, os riscos à segurança desses passageiros no trânsito eram evidentes. Assim como nos automóveis, a segurança individual no trânsito não era tão rigorosa quando é hoje, mas pelo texto pode-se ser que o costume de trafegar no estribo só pôde ser combatido com a substituição da frota por veículos fechados.
Bônus: as menções a motoristas dirigindo de pijamas! 😀
Transportes urbanos[1]
Os serviços de auto-omnibus
A execução do trafego urbano, ultimamente posto em pratica pela administração municipal representada pelo novo Director do Trafego sr. Raul Macedo, trouxe um injustificado movimento de reacção por parte dos proprietarios de caminhões de passageiros, impropriamente chamados de omnibus. Essa reacção consistiu numa especie de greve desses vehiculos que deixaram de trafegar, como protesto pelas medidas tomadas pela Directoria do Trafego, prohibindo aos caminhões conduzirem passageiros nos estribos.
A população porto-alegrense, em sua quase totalidade, recebeu com a mais viva sympathia a attitude do chefe do trafego, porquanto o sr. Raul Macedo, alem de fazer cumprir uma lei ha muito promulgada, tratava, antes de mais nada, de dar ao publico o conforto e a segurança indispensaveis á sua livre circulação.
Aliás, com a execução do regulamento que baixou com o decreto n. 159, de 19 de outubro de 1928, estava, ha muito nas cogitações do operoso ex-Director do Trafego sr. Freitas Lima e só attendendo á defficiencia dos meios de transporte que se verificava mezes atraz, foi que aquelle dedicado funccionario protelou a providencia ora executada.
A administração municipal, em elogiavel demonstração de liberalidade, vem prorogrando os prazos concedicos para o desapparecimento dos velhos caminhões que prestaram excellentes serviços quando o desmantello da tristemente famosa Força e Luz chegou ao auge deixando a população em quasi absoluta falta de transportes urbanos.
Era um serviço de emergencia que, tornado de caracter definitivo, deveria ter-se sujeitado ao preenchimento de indispensaveis requisitos de segurança publica.
Assim, não o fizeram porém, os proprietarios de caminhões, recorrendo ao velho expediente das prorogações de prazo, adiando sempre a adaptação dos vehiculos ás exigencias regulamentares, entre as quaes a principal é de que tenham carroceria fechada, evitando que se possa viajar nos estribos e offerecendo conforto aos passageiros.
Acresce a circumstancia de que, confiando na execução das disposições do Regulamento do Trafego, sobre esse particular, a Companhia Carris Porto Alegrense adquiriu e poz em trafego legitimos e modernos auto-omnibus, empregando nessa aquisição avultado capital.
Estudando, com cuidado, o importante problema urbano e tomando na devida conta os desastres repetidos de que eram causa directa os antigos auto-omnibus, a administração municipal fez publicar varios editaes, em que chamava a attenção dos proprietarios e conductores de taes vehiculos para as alineas do respectivo regulamento, designando o dia 17 do corrente para as mesmas entrarem em execução.
O publico recebeu com satisfação a noticia, embora alguns interessados quizessem, por varios modos, tentar burlar a acção serena e justa da autoridade tramviaria.
Realmente, quem acompanha, pari passu, o desenvolvimento de Porto Alegre, não pode deixar de ter referencias elogiosas e de applausos ás medidas que veem de ser postas em pratica.
O simples confronto do antigo com o actual systema de omnibus, que se torna flagrante nos clichés que illustram esta nota, deixam bem claro o acerto das deliberações ultimamente tomadas.
Não condiz com o aspecto moderno da metropole o que apresentam os antigos omnibus, sem conforto, sem luz, sem hygiene, sem travas e até sem moralidade. Não raro, seus conductores trabalham sem collarinho e até de pyjamas. Fumam em serviço sem respeitar as senhoras que conduzem em seus carros. Trazem os estribos pejados de passageiros e andam apostando carreira, com grave risco para a vida de cada um.
Não resta mesmo aos passageiros, na maioria dos casos, o direito a reclamações ou simples ponderações, pois a resposta com palavras desrespeitosas vem logo a seguir, quando o reclamante não é aggredido physicamente, havendo mesmo casos da aggressão ser feita a faca ou tiro.
Justificam-se, portanto, plenamente, as determinações da Intendencia, as quaes postas definitivamente em vigor, trarão beneficios incontestaveis á população porto-alegrense.”
Autor desconhecido.
Referências:
Revista do Municipio, BNDigital, 1930, Ed0002-2 pp. 27-28.
[1] Revista do Municipio, Hemeroteca online da BNDigital, 1930, Ed0002-2 p. 27. A grafia original foi mantida.