O bairro Moinhos de Vento permanece até hoje no imaginário da cidade como um bairro de famílias ricas, estabelecimentos e atividades requintadas, e isso vem de um passado já distante. Na minha história em quadrinhos, situo nele a residência da família Waldoff, núcleo “abastado” da narrativa e que recria o quotidiano – bem diferenciado daquele das pessoas dos becos – das famílias de origem alemã que, enriquecidas, situaram-se ali.
Seu nome, segundo Sérgio da Costa Franco,
[…] decorreu do nome da Rua 24 de Outubro, que até 1930 se denominava Rua Moinhos de Vento, como antes se chamara Estrada ou Caminho dos Moinhos de Vento a av. Independência [1].
Ainda que nada tenha restado deles hoje, havia mesmo, segundo o autor, moinhos de vento na zona fronteiriça entre o que hoje é o centro histórico de Porto Alegre e o bairro Moinhos de Vento:
A origem do curioso topônimo está nos moinhos de vento que possuiu, à altura da Rua Barros Cassal em seu cruzamento com a Av. Independência, o cidadão Antônio Martins Barbosa […].
Sandra Pesavento vem ao encontro do que o autor diz, quando afirma que
[…] na continuidade da crista da colina, passando o Portão da Cidade e a Santa Casa, estendia-se o Caminho dos Moinhos de Vento (atual Avenida Independência), como que a prolongar a zona alta da cidade, e dando origem, mais além, ao arraial de São Manoel (atual bairro de Moinhos de Vento) [2]
Como caminho para a parte alta do centro da cidade, em continuação à rua Duque de Caxias, ao longo do Caminho dos Moinhos de Vento ou Avenida Independência instalaram-se muitas famílias de origem alemã das colônias próximas a Porto Alegre. Em especial as que haviam enriquecido com o estebelecimento de pequenas indústrias na virada do século XIX para o XX, e assim podido deixar cidades como São Leopoldo ou Novo Hamburgo para morar na Capital do Estado.
Arnaldo Doberstein lembra da contribuição do comerciante Antônio José Gonçalves Mostardeiro para o arruamento e organização do bairro:
[…] o finado Mostardeiro, ‘homem de vistas largas e trabalho inteligente’[3], pelo seu arrojo em limpar, medir, dividir, drenar e nivelar uma vasta extensão de terreno inculto, como o bairro Moinhos de Vento, e transformá-lo no ‘arrabalde mais elegante de Porto Alegre; com linha de bonde e tudo mais’[4].
Desde o final do século XIX a rua Mostardeiro homenageia o ilustre habitante do bairro, que desde esta época vem sendo urbanizado. Talvez por isso, também, a Avenida Independência tenha sido uma das primeiras a receber o que na década de 1920 havia de mais moderno em termos de urbanização. Segundo Charles Monteiro,
A avenida Independência recebe um novo calçamento de paralelepípedos e um sistema de iluminação moderno ‘Nova Lux’ em dois níveis distintos. Esta rua era a nova via aristocrática da cidade, na qual concentravam-se os palacetes da burguesia em ascensão. De perfil residencial, foi a primeira área, após o centro, a gozar de todos os chamados serviços industriais.[5] [grifo da pesquisadora]
Os serviços industriais, que incluíam iluminação pública, abastecimento de água, recolhimento de lixo, estavam sendo alvo de uma campanha de grande modernização e regularização pela municipalidade sob a administração de Otávio Rocha, e sua extensão ao bairro Moinhos de Vento indica a importância e poder deste bairro na cidade. Conforme o jornal A Federação de 12/5/1927, não apenas as luminárias seriam novas, como teriam também fiação subterrânea, algo raro mesmo nos melhores bairros da Porto Alegre atual: “os fócos serão alimentados por distribuidores subterraneos, collocados sob o passeio”[6].
Da mesma forma, cerca de dez anos antes, Andradina de Oliveira, no romance O Perdão,já à sofisticação das casas do Moinhos de Vento:
[…] o Luiz, depois de arrumar de novo a mesa para o amo quando voltasse às onze, também se embriocava no seu quartinho, onde uma campainha elétrica o avisava que precisavam dele. Por toda casa havia campainhas para que a ordem não fosse nunca perturbada. […] Tudo estava previsto naquela vivenda moderna, uma das primeiras do bairro rico dos Moinhos de Vento. [7]
A autora, no mesmo livro, menciona o quotidiano pacato e bucólico da Praça Júlio de Castilhos, um dos pontos de referência do bairro: “findo o almoço, a criadinha e a ama saíram com os pequenos a passear para a Praça Júlio de Castilhos, então um horto de rosas em começo de estio”[8].
Vê-se que o bairro Moinhos de Vento tem uma longa tradição de ser percebido como um espaço nobre de Porto Alegre, o que contribuiu para a sua permanência no imaginário local como uma das áreas mais valorizadas da cidade.
Referências:
A Federação, 12/5/1927, p. 2. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/).
FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1988. pp. 278-279.
KERSTING, Eduardo. Indícios em representações: denominações em torno da Colônia Africana.Porto Alegre: Revista Anos 90, n. 9, Julho de 1998, pp. 150-164.
MONTEIRO, Charles. Porto Alegre: urbanização e modernidade: a construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995.
OLIVEIRA, Andradina. O Perdão. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010 [1910].
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os sete
pecados da capital. São Paulo: Hucitec, 2008.
[1] FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1988. pp. 278-279.
[2] PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os sete pecados da capital. São Paulo: Hucitec, 2008. P. 27.
[3] Correio do Povo, 27 mar. 1904, p. 1.
[4] Correio do Povo, 27 mar. 1904, p. 1.
[5] MONTEIRO, Charles. Porto Alegre: urbanização e modernidade: a construção social do espaço urbano. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995. p. 108.
[6] As obras municipaes, em A Federação, 12/5/1927, p. 2. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/).
[7] OLIVEIRA, Andradina. O Perdão. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010 [1910]. pp. 108-109.
[8] OLIVEIRA, Andradina. O Perdão. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010 [1910]. p. 178.
Pensei que fosse por causa do moinho que tem no parcão.
Aquele se não me engano é bem recente, mas os que deram nome ao bairro são bem mais antigos e já não existem mais.