Em 1929 Porto Alegre vivia a plenitude do que provavelmente foi sua primeira onda de grandes obras de modernização, e a imprensa comemorava tudo aquilo que, no seu entender, constituísse um embelezamento para a cidade. Com a inauguração da sede da Sociedade Hespanhola de Soccorros Mútuos, naquele mesmo ano, não foi diferente.
A associação civil de ajuda mútua dos imigrantes espanhóis em Porto Alegre contribuía para a modernização da cidade com um prédio moderno, e que permanece até hoje em bom estado na rua General Andrade Neves, a poucos passos da rua da Praia e do seu Largo dos Medeiros. Moderno, de fato, como assim entendia a sua época: com uma bela fachada em estylo colonial hespanhol decorada de frisos, uma imponente sacada, e sobretudo, símbolos. Nesse quesito, as estátuas descritas são as mais eloquentes: “[…] a figura branca do colono, a esquerda, e a do indio collaborador a direita”, dando a entender uma história de cooperação pacífica entre conquistador e conquistado. Ora, a historiografia dá conta de uma relação muito diferente…
De qualquer forma, a construção permanece um precioso testemunho do seu tempo e do trabalho do arquiteto e escultor Fernanco Corona, que a projetou. Filho de Jesús Maria Corona, imigrante espanhol, Fernando foi um dos maiores nomes da arte e da cultura em Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX, tendo também atuado no atelier de esculturas e frisos para fachadas de João Vicente Friederichs.
Sociedade Hespanhola de Soccorros Mutuos[1]
Será inaugurada, amanhã, a sua magestosa séde, recentemente construida, á rua General Andrade Neves.
Os principaes caracteristicos desse edificio que virá contribuir para o embellezamento da nossa capital
Entre as antigas sociedades estrangeiras existentes nesta capital, se conta a Sociedade Hespanhola de Soccorros Mutuos, cuja fundação data de 1º de agosto de 1893, ou seja, ha cerca de 36 annos.
Não obstante, o diminuto numero de hespanhóes domiciliados aqui, tem ella progredigo de anno para anno, prestando relevantes serviços á colonia.
Conta ella presentemente com 200 socios, numero reduzido, mas que não tem deixado de prestar seu valioso apoio à Sociedade de Soccorros Mutuos, afim de que venha executando o seu programa de beneficiencia.
Sempre bem dirigida, soube tambem formar o seu peculio para um dia possuir uma séde, que não só viesse embellezar a nossa capital, como ainda demonstrar a união da colonia.
Assim, que ha uns vinte annos atraz, foram comprados velhos edificios á rua General Andrade Neves, sendo demolidos em 1926, e no terreno se deu unicio a contrucção de magestosa séde, cuja inauguração se fará amanhã, com toda a solemnidade, com a presença de todas as autoridades, do consul e de outras pessoas convidadas especialmente para este fim.
Apezar de ser diminuta a colonia, não foram poupados esforços nem medidos sacrificios para que a nobre iniciativa se tornasse em uma grande realidade, vindo assim a Soccorros Mutuos a ser installada em excellente séde, de bello aspecto architectonico.
O custo da mesma monta, incluindo mobiliario, a [sic] cerca de duzentos contos. O estylo da fachada é colonial hespanhol, em homenagem aos primeiros obreiros immigrantes para a America.
No frontespicio, encimando a obra total, apparece a figura da Hespanha, em allegoria com o escudo de Leão e Castella; como complemento da cimalha principal, o escudo da Sociedade de Soccorros Mutuos, com a legenda: ‘hoy por ti, mañana por mi’; em seguida, sobre os arcos da sacada, duas cabeças symbolicas, uma do guerreiro conquistador e outro do erudito historiador; ao centro da ampla sacada, o escudo de armas da Hespanha, e
como que sustentando a grande obra da colonização, em figuras de cariatides, ladeando a porta principal da entrada, a figura branca do colono, a esquerda, e a do indio collaborador a direita.
Um grande corredor e ‘hall’ conduz á escada principal de accesso ao salão de festas, simples e severo, em estylo hespanhol. Este salão tem 10,40 de frente por 26 metros de fundo, incluindo um pequeno palco para solemnidades e festas. Possue ainda dois armazens para commercio na planta baixa e um restaurante aos fundos; no andar superior estão localizadas as salas de secretaria, […] e bibliotheca e uma grande sala para bilhares, além de todos os serviços de saneamento e hygiene precisos. Ainda um soteo ou mansarda serve de moradia ao economo.
O projecto é da autoria do architecto esculptor Fernando Corona, secretario da sociedade.
A commissão de construcção foi composta pelos seguintes srs.: Presidente Francisco Raya Diaz; thesoureiro, Juan Arbós; technico, Fernando Corona, e constructor, Andrés Nuñez Fernandez; tambem havia uma grande commissão de finanças, que muito se esforçou no desempenho de sua missão.
O edificio será inaugurado, officialmente, amanhã, com brilhantes festas, as quaes obedecerão a excellente programma.”
Autoria desconhecida.
Referências:
[1] Correio do Povo, 01/03/1929. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal de Porto Alegre Moysés Vellinho. A grafia original foi mantida.