Ajardinar a cidade também é modernizá-la, afinal, como diz o autor da reportagem do Correio do Povo, as praças são um respiro para a apressada vida urbana, lugares de contemplação em meio à agitação moderna.
Durante boa parte do século XIX e início do XX, as praças de Porto Alegre eram realmente bastante simples, consistindo em grandes canteiros arborizados, bancos para os transeuntes, mas nada de muito sofisticado. Foi de fato nos anos 1920, com a “febre de remodelação” iniciada na gestão de Otávio Rocha, que muitas das praças da cidade receberam equipamentos renovados, ajardinamento cuidadosamente planejado e iluminação.
Mesmo celebrando esses avanços, o repórter não poupa críticas ao destino de algumas delas, queixando-se do uso popular que tomou a praça Garibaldi, em pleno território negro da cidade, próxima à desaparecida Ilhota: o belo jardim tornara-se um campo de futebol! Essa apropriação popular do espaço a disciplina exigida pela cidade moderna não iria aceitar facilmente…
Os jardins e as praças – encanto das cidades[1]
A febre de remodelação e aformoseamento de Porto Alegre, febre já extincta, transformou velhas praças em pittorescos logradouros publicos
O abandono, porém, a que estão votados quasi todos os trabalhos urbanos, se faz sentir vivamente nas praças e jardins
Basta dizer que a praça Garibaldi está transformada em campo de foot-ball e a da Conceição em deposito de toneis
As praças e os jardins são o encanto das cidades. Embellezam-n’as e arejam-n’as.
Todas as pessoas que viajam, que visitam as grandes cidades da Europa ou da America, conservam, sempre, carinhosamente, entre as suas melhores recordações das excursões, a lembrança das lindas praças e jardins que visitaram.
E explica-se:
É que as praças são o repouso para os olhos e para o espírito de quantos fazem ou observam a visa vertiginosa das metrópoles.
Por isso mesmo, em toda parte as municipalidades dedicam a esses recantos urbanos – que durante o dia servem de abrigo e á noite são aparzíveis logares de recreio – cuidados especiaes.
Em Porto Alegre,
Até não ha muito, as praças e os jardins não gosavam da administração municipal, sympathias muito vivas.
Existiam.
Era o bastante.
Que se arranjassem…
E é de observar-se que Porto Alegre é uma cidade de poucas praças. Reconhecem-n’o todas as pessoas viajadas.
Mesmo assim, o abandono em que se encontravam era desolador.
Subito, porém, com
O período de remodelações
que se iniciou na administração Octavio Rocha, tambem as praças tiveram as attenções dos poderes publicos municipaes.
E, assim, muitas das praças, sinão quasi todas, que nada mais eram do que largos canteiros e arvores, se viram, de uma hora para outra, alvo do zelo edilicio.
Em todos os pontos da cidade a commisãao encarregada desse serviço de aformoseamento urbano atacou com energia a tarefa, remodelando e fazendo mais artisticos esses logradouros publicos, que não offereciamm nem conforto, nem pontos de vista pittorescos e nem illuminação á noite.
Em breve,
A metamorfose
por que passaram as praças e os jardins, encheram de contentamento a população.
A praça da Matriz, que fôra sempre uma das mais bellas e mais graciosas, se fez, em pouco tempo, em recanto digno de qualquer cidade civilizada.
Tambem a praça 15 de Novembro, antiga do Mercado, se transformou rapidamente.
A Julio de Castilhos, a da Conceição, a Garibaldi a antiga do Portão[2], a da Caridade[3], a João Telles, no Parthenon, e o alto da Bronze[4], tiveram tambem o seu momento feliz, modificando-se sensivelmente.
Isso sem querer falar na praça Parobé, na antiga Doca, que não existia e que é fructo desta debre de embellezamento a que nos referimos.
A praça da Alfândega,
porém, não teve muita sorte.
É ella a praça localisada no ponto mais central da cidade. Não ha exaggero em affirmar que nella está verdadeiramente localisado o coração da cidade.
É natural portanto que a nossa população a considere a sua sala de visitas.
Pois bem. A praça da Alfandega, como acima dissemos, não teve muita sorte, pois no meio de todas essas transformações, em face de todos esses embellezamentos, muito pouco ganhou.
Por diversas vezes a Intendencia iniciou ali serviços para fazel-a digna da sua localisação. Nunca, porém, esses trabalhos ultrapassaram a simples revisão, ou modificações insignificantes, taes a derrubada de duas ou tres grandes arvores ou retoques nos canteiros.
E a antiga praça ahi está, quasi abandonada, com os seus canteiros interminaveis, que complicam desesperadamente o transito.
A eterna canção
Diziamos que quase todas as praças soffreram o influxo da febre de remodelação.
Obedecendo, porém, á regra geral, em breve se viam abandonadas, como de resto abandonados se encontram todos os trabalhos urbanos.
Até quando permanecerá tal estado de coisas?
Essa é a pergunta que a população da capital faz a cada passo.
Resultado
As consequencias desse abandono não se fizeram esperar.
A praça Garibaldi está transformada em campo de foot-ball.
Quem se quizer dar o trabalho de verificar o que dizemos não tem mais que dirigir-se para ella a qualquer hora do dia.
É facil de imaginar o aspecto que ella offerece, presentemente, simplesmente deploravel.
A praça da Conceição, como se póde verificar da nossa reportagem photographica, está lamentavelmente transformada em deposito de toneis.
E nesse andar não será estranhavel que identico destino esteja reservado á praça da Matriz e á da Alfandega.
Não tome a Municipalidade as providencias que urgem e quem viver verá.”
Autoria desconhecida.
Referências:
[1] Correio do Povo, 10/03/1929. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal de Porto Alegre Moysés Vellinho. A grafia original foi mantida.
[2] Atual praça Conde de Porto Alegre.
[3] Atual praça Dom Feliciano, em frente à Santa Casa.
[4] Atual praça General Osório.