A igreja Nossa Senhora da Piedade nos anos 1920, bairro Rio Branco, antiga Colônia Africana. Acervo Celi Patterson/Família Prati.

A Colônia Africana vista pelo padre Matias Wagner

O padre Matias Wagner foi designado para a paróquia Nossa Senhora da Piedade, na Colônia Africana, em 1916.

A igreja Nossa Senhora da Piedade nos anos 1920, bairro Rio Branco, antiga Colônia Africana. Acervo Celi Patterson/Família Prati.
A igreja Nossa Senhora da Piedade nos anos 1920, bairro Rio Branco, antiga Colônia Africana. Acervo Celi Patterson/Família Prati.

O religioso chega à então recém-construída igreja, situada na rua Cabral, e escreve um livro de memórias intitulado Paróquia de N. S. da Piedade de Porto Alegre: 1916-1958. Nele, o padre descreve a paisagem e a falta de urbanização daquele bairro, que então já era chamado de Rio Branco:

Que era o bairro[1]

O bairro Rio Branco, mais conhecido por Colônia Africana, mais ou menos, estava entregue a sua própria sorte, tanto no terreno material como espiritual. Além disso pesava sobre ele a degradante fama como sendo lugar de crimes e de horrores…

O centro deste recanto da cidade, (os terrenos mais baixos), era quase todo alagadiço, propício a focos de insetos de toda espécie, não faltando também os batráquios que, em noites chuvosas, entretinham os moradores com o seu clássico coaxar, maravilhosamente combinado e compassado.

Postal de vista da Colônia Africana no início do século XX. Acervo desconhecido.
Postal de vista da Colônia Africana no início do século XX. Acervo desconhecido.

Os moradores, avaliados em cerca de 8 mil, ainda que de posição modesta e pobres, eram pacatos e respeitadores, entregue, cada qual a seus afazeres honestos.

As ruas, com exceção da Ramiro Barcelos, todas estavam desprovidas de qualquer calçamento, águas pluviais tinham formado, mais ou menos, profundos valos, de cada lado; estas vias públicas eram, em parte, acidentadas, não faltando mesmo atoladores que, por vezes, as tornavam, temporariamente, impraticáveis para qualquer espécie de veículos; igualmente os pedestres que, durante ou após a chuva, saíssem à rua, estavam sujeitos a deixarem preso no barro o calçado de seus pés.

A água, elemento indispensável a cada família, todos a deviam conseguir como pudessem: uns a buscavam em alguma Bica pública que a Intendência[2], em tempos idos, tinha mandado instalar em alguns pontos do bairro – era água do Guaíba, não filtrada –; outros a obtinham de algum poço ou vertente natural; outros ainda adquiriam de algum pipeiro, que disso fazia seu ganha-pão.

Pipeiro ou aguadeiro no início do século XX. In: Biografia duma cidade, Porto Alegre, 1941.
Pipeiro ou aguadeiro no início do século XX. In: Biografia duma cidade, Porto Alegre, 1941.

De esgoto cloacal nem se cogitava, pois não havia água encanada nas habitações; este serviço era feito da maneira mais primitiva.

Toda vasta área, além das ruas: Cel. Pedro Salgado, D. Leonor, Protásio Alves (lado esquerdo) e Lucas de Oliveira, até o município de Viamão, ainda não tinha sido arruada; estava coberta de matos e macegas; as poucas moradias, que por lá existiam, estavam dispersas e bem distantes entre si. O Caminho do Meio[3] nada mais era do que uma estrada poeirenta e acidentada em toda sua extensão, desde a rua Ramiro Barcelos até o município de Viamão.

A iluminação pública consistia de raros bicos elétricos, dependurados no alto de trilhos, que faziam as vezes de postes; essa instalação, parece, era mais para constar, pois as lâmpadas tinham luz tão amortecida que um pauzinho de fósforo aceso lhes faria vitoriosa concorrência.

As moradias algumas poucas eram de alvenaria, porém construções simples e humildes; outras eram chalés de madeira, mais ou menos apresentáveis, as demais eram casebres e malocas. Algumas dessas habitações estavam construídas em terrenos tão úmidos e insalubres que, principalmente em tempos de inverno ou chuva, ficavam rodeadas de água, feitas ilhas; a fim de os moradores alcançarem a rua, era necessária uma ponte [tábua] desde a soleira da moradia até por cima da sarjeta…

Como condução coletiva a única existente era a do bonde da Independência”.

Referências:

WAGNER, Matias. Paróquia de N. S. da Piedade de Porto Alegre: 1916-1958. Porto Alegre: s/editora, s/data. p. 18-21.

[1] WAGNER, s/data, apud KERSTING, Eduardo Henrique de Oliveira. Negros e a modernidade urbana em Porto Alegre: a Colônia Africana (1890-1920). 221 f. Dissertação de Mestrado, UFRGS. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História. Porto Alegre, 1998, p. 138.

[2] O mesmo que Prefeitura.

[3] Avenida Protásio Alves.

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