Este curioso artigo saído no jornal A Federação testemunha como uma simples mudança de moda poderia suscitar as mais diversas explicações “científicas” para explicar a causa da calvície e justificar o abandono do chapéu. Com a palavra, os “higinenistas”:
“Guerra ao chapéo[1]
Noticia a secção elegante deste jornal, haver um grupo de intellectuaes decidido fazer guerra de morte ao chapéo masculino, introduzindo entre nós a moda da cabeça descoberta.
Na Europa essa moda vae aos poucos adquirindo adeptos, poucos na França e na Belgica, mas em numero respeitavel, na Allemanha e na Italia. Nesse paiz de Milão a Napoles, é raro vêr-se agora, á noite, homens de chapéo, embora tragam todos, bengala como complemento de vestuario de rua.
O uso do chapéo na cidade, é verdadeiramente obsoleto e não tem justificação quer social, quer hygienica.
Julgando-se protegido pelo chapéo citadino (côco, molle, ou cartila), da mesma fórma que o homem do campo o é pelo seu chapéo de palha de grande abas, expõe-se o indivíduo ao sol, sendo esta pratica, muitas vezes, fatal.
Um nosso ministro em Berlim há alguns annos, foi victimado por insolação ao assistir, de cartola, a uma parada. Todos devem recordar-se deste facto.
Um hygienista francez, Vallin, collocando thermometros no interior de chapéos altos, observou temperaturas de 42 a 46 gráos, após uma hora de exposição ao sol.
Um outro experimentador, Jousset, viu o thermometro de dentro de um chapéo preto, de massa molle, attingir a 45 gráos, quando a temperatura exterior era de 50 gráos.
Sabendo-se que a albumina coagula a 44 gráos, póde-se bem avaliar o perigo que corre o individuo pelo uso ao sol, de cartolas e outros chapéos semelhantes.
Se a moda dos sem chapéos não póde ser seguida pelos que não querem pôr ‘a calva á mostra’, deve sel-o por todos que desejam conservar integro seu ornamento capillar.
Foram, aliás, os calvos os precursores do uso do chapéo.
Este movimento foi iniciado por Julio Cezar, que pediu e obteve, do Senado romano, o uso e gozo de uma corôa de louros… para esconder a calvice.
Depois, Felippe – o bom, epilado por uma longa doença, tratou de encobrir a cabeça com uma peruca, no que foi immediatamente imitado pelos fidalgos de Bruxelas e depois por todo o mundo, que se raspava expressamente para usar cabelleiras postiças.
Hoje, quando a mulher não é mais ‘o animal de cabellos longos e idéas curtas’, tendo encurtado os cabellos e alongado as idéas, na concurrencia do cabello ‘á la homme’ é o sexo de Sansão e Alceste, que teme o rival, não vendo nelle a calvicie. A mulher póde dispensar o chapéo, que é para ella, segundo Arnoud, um ornamento, um pretexto para flôres e fitas, apercebendo-se de resto, que não é positivamente para cobrir a cabeça que as mulheres trazem chapéos.
Com os cabellos curtos e os chapéos apertados, é bem provavel que daqui há pouco tenhamos grande numero de mulheres carécas.
É que, segundo Haricourt, a calvice é devida á constricção produzida na cabeça pelo chapéo. Sabendo-se que os vasos nutridores do couro cabelludo vêm da base para o apice do craneo quando o chapéo os comprime, há falta de nutrição e consequente atrophia dos bulbos pilésos e das glandulas respectivas, provocando a quéda dos cabellos.
‘Tal é o mecanismo, dis o citado hygienista, em razão do qual a pelle do craneo, em logar de apresentar a vegetação luxuriante para a qual ella é feita, se encaminha para o estado de pergaminho, secco, polido, tendo o aspecto de uma verdadeira cicatriz’.
Para explicar que, alguns homens sómente, apezar do uso por todos, do chapéo, fiquem calvos, attribue Haricourt, ao arthritirmo que endurecendo as arterias, predispõe á calvicie, pela construcção do couro cabelludo.
Em resumo, as mulheres não têm calvicie, porque não usavam chapéos, sendo protegidas pela cabelleira, e os homens que soffrem de arthritismo, se não cerrassem a cabeça ficariam egualmente livres deste indesejavel estado.
Para prova de sua theoria, lembra Hericourt que, apezar de ser commum entre elles o arthritismo, podem os chinezes ter o seu rabicho, e os musulmanos o seu mahomet, longas tranças de pellos, partindo exactamente da região do craneo onde se apparece nos civilisados occidentaes, a temida calvicie.
Creio que, para fugir á calvicie, vale bem a pena adherir á nova moda, que em ser elegante, não deixa egualmente de ser commoda e sobretudo, economica.
Que nos respondam os chapeleiros.
Barbosa Vianna”
[1] A Federação, 9/12/1926, p. 3.