No final da década de 1920 corria a todo o vapor a demolição da antiga igreja Matriz, que remonta aos primeiros tempos da formação da cidade, e da pequena capela do Divino Espírito Santo, que ficava ao seu lado. Era a ânsia pela modernização urbana, e se o estilo colonial português da antiga Matriz havia caído em desgraça, o neogótico da pequena capela não teve sorte melhor. Sede de uma das mais tradicionais irmandades religiosas de Porto Alegre, e que promovia grandes festas nas noites de junho na Praça da Matriz, a capela construída no final do século XIX já era considerada muito pequena para o tamanho da irmandade, que de fato havia crescido. Contudo, suas fundações revelaram uma pequena máquina do tempo…
A pedra fundamental da tradicional capella do Divino[1]
Foi ella, afinal, encontrada, hontem, nas demolições que estão sendo feitas
Dentro de uma lata, na qual entraRa agua, foram encontradas a acta do lançamento daquella pedra, cerimonia essa realisada a 24 de março de 1882, varios jornaes da época e moedas antigas
Teve inicio, ha poucas semanas, a demolição da antiga capella da Irmandade do Divino Espirito Santo, á rua Duque de Caxias, esquina Espirito Santo, afim de dar logar ás obras de construcção da Cathedral Metropolitana.
Desde os primeiros trabalhos, todas as attenções se voltaram para a pedra fundamental do antigo ‘imperio’, como era mais conhecido aquelle templo. Afinal, foi ella, hontem, encontrada, a mais de um metro de profundidade da porta principal.
O sr. Luiz Marques, contra-mestre da obra, deu sciencia do achado ao commendador Manoel Pereira, actual imperador festeiro, que ali compareceu acompanhado de seu filho dr. Oscar Pereira, os quaes assistiram ao acto da retirada da pedra que era de grez. Entre os presentes, encontrava-se tambem um representante do ‘Correio do Povo’.
Na cavidade da pedra, coberta por uma lage, da qual sahia uma manilha, foi encontrada a caixa. Em virtude do salitre, porém, que se havia formado com a agua, o zinco soffrera sensivelmente.
Uma vez aberta, confirmaram-se as previsões feitas de que a agua estragara, infelizmente, a maior parte dos documentos que ella encerrava.
As moedas
Antes de mais nada, foram retiradas as moedas, que estavam muito azinhavradas, sendo que algumas com difficuldade identificadas.
Entre as que puderam ser reconhecidas, figura uma de nichel, de $200, de 1874; uma de prata de mil réis, de 1866; duas de 4 e de 2 centimos de cobre, de 1869, da Republica do Uruguay, uma de cem réis, de 1879; um peny, de 1873; uma portugueza, de cobre, de 1874; uma de prata, portugueza, de 1762; 40 centimos da Hespanha, de 1866, 10 centimos da Italia, de 1867; uma de cobre, do Paraguay, de 1870; uma Napoleão III, sem data; uma de prata de Portugal de 1845; uma Jorge III de 1770, além das que não foram identificadas.
Como se vê, no interior da caixa havia moedas de varios paizes, o que não deixa de ser curioso, especialmente porque duas dellas contam mais de 150 annos de cunhagem.
Os jornaes
Com excepção de um exemplar do extincto ‘Jornal do Commercio’, que ainda se apresentava em estado soffrivel, os outros exemplares dos jornaes da época ali encontrados estavam inaproveitáveis. Tendo se molhado, tornaram a seccar, mas ao mais leve contacto se desfizeram.
Os jornaes eram os seguintes:
‘Jornal do Commercio’, anno 18º, redacção e officinas, praça da Alfandega n. 3, hoje Senador Florencio. Chefe da redacção, Augusto Porto Alegre; proprietarios. Antonio Candido da Silva Job e Cia.
O ‘Conservador’, orgão do Partido Conservador, officinas e redacção rua Sete de Setembro n. 113, anno IV.
O ‘Correio do Sul’, orgão liberal, anno 11, redacção e typographia rua Andradas n. 112.
O ‘Mercantil’, anno IV propriedade de João Cancio Gomes, redacção e officinas rua General Camara, n. 49.
O ‘Seculo’, de Miguel Verna.
As assignaturas dos jornaes acima variava [sic] de 12$000 a 14$ annuaes, custando o numero do dia 80 réis.
A acta
foi tambem encontrada em mau estado, illegivel.
Com o auxilio de uma lente, foi possivel ler que o presidente da provincia era o dr. José Godoy de Vasconcellos, e bispo d. Sebastião Diogo Larangeira.
Entre os nomes identificados, figuram os de Antonio José do Canto Junior, Antonio Francisco dos Santos Pinto, José Rodrigues da Rocha e Pedro Theobaldo Jaeger.
Havia muitas outras assignaturas, que pelos motivos acima estavam irreconheciveis.
O destino dado á pedra e aos documentos
O commendador Manoel Pereira determinou que a caixa e os documentos fossem levados á rua residencia, para serem guardados no cofre do Instituto Pereira Filho.
Dentro de poucos dias, voltarão elles para a antiga pera, em nova caixa, que será collocada junto da pedra fundamental, lançada há poucas semanas para a construcção da nova capella do Divino Espirito Santo, á avenida Bom Fim, esquina da José Bonifácio.
De toda a cerimonia foi lavrada uma acta”.
Autoria desconhecida.
Referências:
[1] Correio do Povo, 20/11/1929, p. 8. Hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal Moysés Vellinho. A grafia original foi mantida.