A partir de 1933, cresce a pressão para a conclusão das obras da avenida Borges de Medeiros. O grande rasgo aberto pelo desaterro ao longo da antiga rua General Paranhos causa mil contratempos à circulação e ao funcionamento da cidade, acumulando materiais e refugos da obra nas ruas e calçadas, deixando crescer mato em alguns pontos e causando grandes dificuldades para os moradores do centro. O canteiro de obras já havia passado meses parado ainda em 1927, e nesse início da década de 1930 era a lentidão dos processos de desapropriação de certos imóveis que causava a morosidade dos trabalhos. Assim, era fácil compreender o clima de impaciência da população porto-alegrense, que se via frustrada na sua expectativa de ter uma grande avenida que ligasse o porto à zona sul da cidade.
Porém, os trabalhos de abertura da Borges de Medeiros haviam “empacado” na altura da rua Andrade Neves, ironicamente, onde começava o antigo beco do Poço que a avenida viera varrer da paisagem. As obras haviam ficado mais uma vez paradas por falta de recursos, e os engenheiros da Prefeitura quebravam a cabeça para solucionar temporariamente a obra sem maiores dispêndios. Assim, no início de 1933, e quando são retomadas, as obras passam a seguir um novo projeto que prevê a construção de um muro de arrimo na altura da Andrade Neves, terminando bruscamente a avenida Borges de Medeiros numa passagem para pedestres e bondes, bem antes de chegar ao porto. Já em 1932, anunciava-se a
[…] necessidade que tem a Prefeitura de fazer demolir os predios, que são de sua propriedade, para construir um passeio que, indo encontrar a rua Andrade Neves, facilitará o transito de passageiros para tomar os bondes Theresopolis, Gloria, Parthenon e Republica.
Estes como é sabido, dentro em breve farão ponto inicial na rua Andrade Neves, attendendo a que o seu novo trajecto será feito pela avenida Borges de Medeiros[1].
Os jornais da época, ironizando essa solução proposta para contornar a falta de dinheiro da Prefeitura, passaram a chamar a Borges de Medeiros de “avenida de dois andares”.
[…] foi apresentado um novo projeto para o traçado da avenida. Ela seria interrompida por um muro de arrimo na altura da rua Andrade Neves, em função dos aterros, com acesso só para pedestres, por duas escadas de granito, não chegando ais até a praça 15 de Novembro, como previa Maciel[2], nem até a avenida do Porto, como imaginara Otávio Rocha. Esta estrutura seria erguida para possibilitar o retorno dos bondes, que circulariam pela Borges, pois daria lugar à colocação dos trilhos, seguindo o exigido formato de ‘pêra’. A largura da avenida a partir da rua Andrade Neves em direção ao norte seria radicalmente reduzia até a rua dos Andradas[3].
O jornal A Federação, no entanto, trata do impasse com textos menos irônicos, já que era o órgão de comunicação do partido do prefeito Alberto Bins na imprensa:
A via publica a ser aberta no trecho compreendido entre a rua dos Andradas e a praça acima, não terá, por emquanto, a mesma largura da avenida Borges de Medeiros.
Será ela de 11 metros, com um calçamento provisorio, de tipo ainda não escolhido.
Destinar-se-á a rua provisoria, unicamente a receber as duas linhas de bondes que, vindas pela avenida Borges de Medeiros, voltarão para os arrabaldes a que servem, contornando o edificio da Prefeitura Municipal.
Servirá, ainda, para o trafego de pedestre [sic], não se permitindo, de nenhuma forma, o transito de outro qualquer veículo.[4]
Naturalmente, essa solução causou revolta e indignação públicas, às quais jornais como Correio do Povo e Diário de Notícias faziam eco. Contudo, a falta de recursos, declarada pelo próprio prefeito Alberto Bins no relatório municipal daquele ano, parecia insuperável. A falta de meios, porém, não aplaca o clamor popular pela continuidade da abertura da avenida,e exigia que o projeto original elaborado na gestão de Otávio Rocha fosse retomado.
Antes de se resolver a abertura provisoria até á praça Montevidéo, havia-se tentado dar trafego aos bondes pela avenida Borges de Medeiros, por meio de um aterro á rua Andrade Neves, onde os veiculos fariam as manobras de chegada e saída.
Queria-se desafogar o transito das ruas Marechal Floriano, parte da avenida Otavio Rocha, e Vigario José Inacio e, com esse intuito, estudou-se o aterro, que chegou a ser iniciado, projeto que não acarretaria despesas de vulto.
Ante as reclamações surgidas contra essa obra, o prefeito viu-se forçado a suspendê-la, para abrir, em definitivo, a avenida até á praça Montevideu, embora com sacrificio pecuniario para o Municipio.[5]
Tem-se então a criação de uma verdadeira cruzada contra a “mutilação” da avenida, contando com o apoio do Rotary Club. Numa das suas reuniões, Rodolfo Ahrons, conhecido engenheiro da cidade,
[…] apresentou uma fotografia apanhada de um avião da ‘Varig’ focando o traçao da Avenida Borges de Medeiros, dando explicações sobre o trabalho que foi oferecido pelo sr. Otto Ernest Meyer, gerente daquela empreza.
A impressionante fotografia da cidade vista de cima, com o rasgo da avenida Borges de Medeiros interrompido antes do seu destino final é publicada em grande formato na edição X do Diário de Notícias, e usada numa reunião com a Prefeitura para discutir soluções para a abertura da avenida.
Por fim, o Banco Pfeiffer,
“[…] que espontaneamente doou a quantia de 530 contos de réis ao município para a continuação das obras da avenida seguindo seu plano original […][6]”
resolveu o impasse.
Ainda assim, optou-se por fazer o trecho aberto até o Paço Municipal mais estreito e com um retorno semi-circular só para bondes, como aliás é até hoje:
Referências:
[1] A Federação, Ed00249-1, 29/10/1932, p. 4. Hemeroteca digital da Fundação Biblioteca Nacional. A grafia original foi mantida.
[2]Moreira Maciel, engenheiro-arquiteto que havia idealizado a abertura e prolongamento da antiga rua General Paranhos no Plano de Melhoramentos de 1914.
[3] SOUZA, Célia Ferraz de. Plano Geral de Melhoramentos de Porto Alegre: o plano que orientou a modernização da cidade. Porto Alegre: Armazém digital, 2010. Pp. 211-212.
[4] A Federação, Ed00188-1, 12/08/1933, p. 2. Hemeroteca digital da Fundação Biblioteca Nacional. A grafia original foi mantida.
[5] A Federação. Ed00063-1, 16/03/1934, p. 2. Hemeroteca digital da Fundação Biblioteca Nacional. A grafia original foi mantida.
[6]Fonte?