09A arquitetura vai mudando e, com ela, a tessitura da cidade, ou o tecido urbano. Por isso, é importante estarmos atentos à introdução de novos estilos construtivos no estudo da história da cidade, pois a forma como as construções são feitas configura a sua paisagem e as suas ruas. Naturalmente que o tecido urbano não muda da noite para o dia, mas ao longo de anos, quiçá décadas e até séculos.
Neste informe (publicitário?) do arquiteto Monteiro Neto, numa edição de 1931 da Revista do Globo, já podemos ver o estilo moderno ilustrado no projeto de uma pequena casa. Não apenas se pode notar a ausência de ornamentação de fachada à moda das construções mais antigas, como também a sua implantação no terreno, mencionada pelo autor. Diferentemente da tradição colonial portuguesa que originou a estrutura espacial de Porto Alegre, com casas construídas de modo a preencher toda a testada do lote (ou seja, sem deixar passagens laterais no terreno) e no alinhamento da rua – configurando as famosas ruas corredor –, o projeto sugerido pelo arquiteto situa a construção com um recuo de jardim frontal, e equidistante dos limites laterais do terreno. Esse posicionamento permite uma melhor ventilação e iluminação da construção, bem como a preservação da intimidade de seus habitantes ao manter uma distância da rua.
As primeiras décadas do século XX foram marcadas pela preocupação com a higiene das habitações e também da cidade, culminando em novas formas de construir que configuravam diferentemente não só as casas, como podemos ver aqui, mas também as ruas e a paisagem urbana.
“Como fazer uma casa[1]
por Monteiro Néto, architecto
O aproveitamento do terreno destinado á construção de uma casa, quando feito de modo racional, constitue uma operação á qual o arquitéto deve empregar o melhor do seu esforço.
Muitos terrenos existem, que pela sua conformação topografica, pela sua situação, pedem um determinado tipo de edificação.
Outros há que, pela sua exiguidade perimétrica, pouca margem oferecem a um desenvolvimento espansivo, obrigando o arquitéto a estudos mais apurados.
O ponto que abordamos hoje é, pois, referente ao aproveitamento de uma pequena area, nivelada.
Imaginemos, então, que uma casa construída numa esquina, como mostra a nossa ‘Situação’, tenha um quintal grande demais para a zona urbana em que se acha, e, o seu proprietário queira dispor de alguns metros nos fundos, com frente para a rua.
Certamente lhe ocorrerá a idéa de uma casa de alinhamento, sem aberturas para os lados, com uma área de 1,50 nos fundos, etc.
Nós entretanto, pensamos de outro modo e por isso procuramos disfarçar a situação fazendo parecer se tratar de uma grande casa localizada ao centro de terreno de 13,00 de largura.
Deste modo, projectamos uma casinha cingida às linhas da arquitetura modernista, contornada por jardins, tendo a parte da frente o afastamento regulamentar de 4,00.
Ha nesta casinha, como se vê, luz por todos os lados e sua distribuição interna foi delineada de modo a proporcionar o maximo conforto a um casal.
Contudo, esse dispositivo se subordina tambem a observações téquinicas [sic] de estabilidade as quaes permitem, de futuro, o aumento de mais um ou dois pavimentos, sem que para isso seja o morador, obrigado a deixar a sua habitação durante as obras. Os pisos e a cobertura são formados por lages de cimento armado, e para evitar dispêndio maior, quando do acrecimo de mais um andar, consideramos uma abertura para a futura escada, abertura esta que temporariamente poderá ser fechada por meio de uma clara-boia que projeterá luz sobre todo o vasio da escada até embaixo. Para melhor efeito, esta luz poderá ser quebrada durante o dia por meio de um vitral de arte colocado no nível do teto. No vasio entre a clara-boia e o vitral poderá haver instalação elétrica para que este, possa, tambem á noite, produzir o seu efeito decorativo”.
Referências:
[1] Revista do Globo, Ano 3, 1931, nº 66, p. 20. A grafia original foi mantida.