Planta de Porto Alegre de 1906. Mapoteca do IHGRGS. Em roxo, a rua Nova ou Andrade Neves. Em laranja, o Beco do Oitavo.

Da rua Nova ao Beco do Oitavo

Esta nota do Correio do Povo de 3/9/1929 certamente deve ter sido banal à época, mas à luz dos estudos do higienismo nas cidades brasileiras, traz elementos muito interessantes.

Como se sabe, o coração da cidade, ou seja, o seu centro modernizado e limpo, não poderia dar espaço a práticas como a prostituição, que atentava contra os bons costumes. Assim, a solução é colocada nas mãos das autoridades municipais na forma de empurrar o problema não para baixo do tapete, mas para mais longe do centro.

E aqui entram em cena dois espaços conhecidos pela sua história de prostituição: a rua Andrade Neves, ou antiga rua Nova, era a rua das pensões de artistas e cabarés, a poucos metros do respeitável Largo dos Medeiros. Era uma rua de vida noturna, música e prostituição, mas frequentada pela elite do Estado. Provavelmente no seu extremo oposto no que diz respeito ao exercício da prostituição estava o conhecido Beco do Oitavo[1], mais longe do centro e famoso pelas suas tascas e prostíbulos, palcos aliás de inúmeros tiros, facadas e desordens.

Mas por que havia necessidade de publicizar essas ações policiais contra a prostituição na imprensa? Ora, Porto Alegre estava em plena febre de modernização, grandes avenidas eram abertas e inauguradas, e era politicamente importante para as autoridades administrativas da cidade fazer notar a firmeza de suas ações no sentido de livrar a área central da cidade de tipos indesejados, como as prostitutas. Segundo Cláudia P. Damásio,

“[…] mais precisamente no ano de 1929, uma nova campanha contra o meretrício foi deflagrada. Este movimento liderado pelo então delegado auxiliar, Argemiro Cidade, teve como objetivo não simplesmente erradicá-lo, mas sim localizá-lo geograficamente na cidade, em ruas evidentemente, afastadas da zona central, definindo territórios específicos para esta atividade”[2].

Naturalmente, os cabarés e prostitutas de luxo que atendiam a elite da cidade não tiveram o mesmo tratamento. Mais uma vez, fica claro que o que se queria varrer para longe era a pobreza, e não necessariamente a prática da prostituição.

Planta de Porto Alegre de 1906. Mapoteca do IHGRGS. Em roxo, a rua Nova ou Andrade Neves. Em laranja, o Beco do Oitavo.
Planta de Porto Alegre de 1906. Mapoteca do IHGRGS. Em roxo, a rua Nova ou Andrade Neves. Em laranja, o Beco do Oitavo.

 
“A localisação do meretricio[3]

Terminou o praso para a mudança das mulheres que occupam os predios da Municipalidade, á rua Andrade Neves

A localisação do meretricio é um dos problemas que tem merecido a attenção da policia, nestes ultimos tempos. Graças á acção energica do 1º delegado auxiliar dr. Argimiro Cidade, conseguiu-se, afinal, remover os prostibulos para o becco do Oitavo e travessas.

Alguns delles, porém, encontram-se, ainda, em pleno coração da cidade. Á rua Andrade Neves, por exemplo, existem cinco casas occupadas por mulheres da vida facil, tres dos quaes pertencem á Municipalidade.

Esta, por sua vez, no sentido de secundar a acção das autoridades, determinou a mudança das mulheres da vida facil de seus predios situados á rua Andrade Neves.

O prazo para a mudança já terminou, o que obrigou a Intendencia a conceder nova prorogação ás suas inquilinas, que allegaram não haver, ainda, encontrado casas.

Apenas duas meretrizes que occupavam o predio n. 222 da rua acima mencionada, obedecendo á intimação da Municipalidade, retiraram-se dali, sabbado ultimo, indo residir no Becco do Oitavo.”

Autoria desconhecida.

Referências:

[1] Atualmente, a avenida André da Rocha.

[2] DAMÁSIO, Cláudia Pilla. Porto Alegre na década de 30: uma cidade idealizada, uma cidade real. Dissertação de Mestrado, PROPUR-UFRGS. Porto Alegre, 169 p., 1996.

[3] Correio do Povo, 3/9/1929. Hemeroteca do AHMMV. A grafia original foi mantida.

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