Se a avenida Borges de Medeiros ainda não estava aberta ao trânsito, a Intendência já podia se orgulhar de facilitar imensamente o trânsito de pedestres entre o centro e a Cidade Baixa no final daquele distante 1931. De fato, três das quatro rampas da monumental obra do viaduto “da Duque de Caxias” já estavam entregues, poupando os caminhantes das subidas e descidas pela ladeirenta Marechal Floriano. A reportagem do Correio do Povo, ricamente ilustrada com fotos, traz mais detalhes daquele momento das obras da grande avenida:
“Uma magestosa obra de embellezamento e de utilidade para a nossa metropole[1]
Por todo o mez entrante, a Prefeitura franqueará ao publico tres das rampas da Avenida Borges de Medeiros
Com esse grande melhoramento urbano, os porto-alegrenses se transportarão facilmente do centro para a cidade baixa e vice-versa
Na construcção do viaducto foram necessarios 2.400 toneladas de concreto, 350 toneladas de cimento e 30.000 kilos de ferro
É natural que todo porto-alegrense tenha suas vistas voltadas para a grande obra em vias de conclusão: a construcção do viaducto e a abertura da avenida Borges de Medeiros.
Tão grande desejo será, em breve, satisfeito, não obstante a situação economica que se atravessa. A prefeitura, tendo a frente o major Alberto Bins e os seus technicos da commissão de Obras Novas, não descançam um só momento para dotar Porto Alegre de uma obra que será, não só o orgulho de nossa engenharia, pela sua magestosidade, mas tambem pelo seu embellezamento e utilidade.
Ligando duas partes da cidade
Sabem todos os porto-alegrenses as difficuldades para se transportar do centro para a cidade baixa, ou vice-versa. Restava-lhes, até agora, ou subir a íngreme ladeira da rua Marechal Floriano, mais conhecida por Lyceu, ou então perder um tempo enorme numa viagem de bonde, fazendo a volta pelo Gazometro.
Foi deante disso que a prefeitura não poupou esforços para abrir a avenida Borges de Medeiros e construir o viaducto no alto da rua Duque de Caxias, obra que marcará para sempre duas operosas administrações: a do saudoso dr. Octavio Rocha e a do actual prefeito, major Alberto Bins.
Outras vantagens
Tão grande emprehendimento em vias de conclusão, não servirá somente para a ligação do centro com a cidade baixa. Facilitará, em todo o sentido, o transporte do publico para os bairros da parte sul da capital, principalmente o Menino Deus, cujo [sic] viagem, segundo calculos já feitos, andará em uns dez minutos, quando hoje se leva quasi cerca de meia hora.
Que progresso está reservado a essa zona da metropole rio-grandense!
Quantas novas e lindas edificações não surgirão dentro em pouco?
E, tudo isso porque?
Sem duvida pela abertura da avenida Borges de Medeiros e construcção do viaducto, obra em tão boa hora confiada á firma Dicherhoff & Widmann, empresa bastante conhecida pelo Velho e Novo Mundo em obras de tanta sumptuosidade.
A anciedade do publico
Não ha quem não venha de qualquer recanto da cidade ou que aqui chegue, sem que faça uma visita às grandiosas obras.
Todos as admiram, todos reconhecem os relevantes serviços que ellas irão prestar á collectividade porto-alegrense.
Si tão importante melhoramento já chama a attenção de qualquer forasteiro, tambem não deixa de constituir um legitimo orgulho para todo porto-alegrense.
E, assim, já antes de franqueadas as rampas, por ella transitam centenares de pessoas que não deixam de admirar uma das mais bellas e grandiosas obras de embellezamento da cidade.
Do que é a situação actual dos trabalhos dizem bem as photographias que illustram esta pagina, em que figuram aspectos do estado em que se encontram, marchando para uma rapida e brilhante conclusão.
Difficuldades vencidas
Pode-se francamente dizer que as maiores difficuldades que cercavam a esse commettimento já foram vencidas.
Entre as que surgiram constou a de se encontrar rocha muito profunda na abertura do viaducto, o que obrigou os constructores ao levantamento de 35 metros de muro com estacas de immersão.
O trabalho do desaterro tambem cooperou com a sua parcela de obstaculos, pois foi feito, em parte, com uma draga e outra manualmente.
No apparelhamento para o levantamento dos muros lateraes avultaram dois grandes guindastes com misturadora de argamassa, e que levantou, simultaneamente, a pedra e a própria argamassa, o que representou um apreciavel aproveitamento de tempo e de trabalho manual.
Durante mezes a fio, centenas de operarios movimentaram-se, sem descanço, nas differentes ramificações dos vários serviços.
O viaducto
Com a construcção do viaducto, cuja prova de solidez foi feita, ha poucos dias, com franco exito, e sobre o qual já rodam os bondes da Carris Porto Alegrense e toda especie de vehiculos, Porto Alegre pode orgulhar-se de possuir um dos mais bellos trabalhos de arte, o que constitue prova exhuberante da competencia e capacidade de nossa engenharia.
Representa essa obra, como já dissemos, uma série de grandes esforços da prefeitura, dos seus engenheiros, e da empresa constructora, todos num vivo interesse de assignalar que a metropole rio-grandense marcha a passos gigantescos numa grande remodelação.
Na construcção do viaducto, uma das mais perfeitas obras de cimento armado executadas entre nós, foram necessarios cerca de 1.000 metros cubicos ou sejam 2.400.00 kilos de concreto. Gastaram-se 350.000 kilos de cimento, 80.000 kilos de ferro e foi feito em 30 horas continuas de trabalho.
O systema adoptado foi um portico com tres vãos e dois pilares centraes, oscillantes, e dois encontros articulados na base.
Tem elle 12 vigas, de 1,50 m de altura e 40 centimetros de largura. O seu custo andou em 600 contos de réis, com os desaterros dos lados e enchimentos, não estando incluido nesse preço o corte da rua.
Prova de solidez
Ha poucas semanas, faltando apenas para acabamento das obras, alguns trabalhos de ornamentação e retoques finaes, realisou-se a prova de solidez do viaducto, que constituiu na medidas das flechas[2] das differentes vigas.
Uma prova foi feita com dois bondes carregados de cascalho, pesando cada um 19 toneladas. Além disso, utilisaram-se para esta prova mais seis caminhões carregados de pedra, tendo cada um cinco toneladas, ou sejam, 30 toneladas. Assim o peso dos bondes e dos caminhões perfaziam um total de 68 toneladas.
A segunda prova consistiu na passagem a toda velocidade – sete pontos – dos bondes carregados, um dos quaes era dirigido pessoalmente pelo dr. Ary de Abreu Lima, chefe da commissão fiscalizadora das obras.
Com a primeira prova, não foi observada nenhuma deformação e, na segunda, a deformação de 1/10 milimetro, medido com o fleximetro.
E com os resultados conseguidos na prova de solidez, reaffirmou-se mais uma vez a competencia dos technicos que prestaram seus serviços em [sic] obra de tanta importância.
As rampas
De não menor imponencia são as tres rampas já quasi concluidas e que, até o dia 20 do corrente, serão franqueadas ao publico.
O seu custo, andou em 2.200 contos de réis, inclusive os grandes muros de arrimo, escoramentos de casas, etc.
A quarta rampa começará e ser construida logo que se resolva a pendencia de desappropriação de terrenos necessarios a esse trabalho, entre a prefeitura e os drs. Normelio Rosa e José Luiz de Sampaio.
Por estes dias, chegará a Porto Alegre o dr. Kernen, director geral da empresa constructora, que virá combinar com o major Alberto Bins medidas referentes á construcção da quarta rampa, começando-se, antes disso, a construir o calçamento da avenida Borges de Medeiros.
Taes são, em breves palavras, as impressões recebidas numa rapida visita ao grande melhoramento em vias de conclusão, e que todo porto-alegrense, desde o início, acompanha carinhosamente, por saber que elle virá tornar ainda mais linda a nossa capital e trará uma série de grandes vantagens nas comunicações entre duas partes da cidade, cooperando, tambem, para dar-lhe um impulso de extraordinario progresso.”.
Texto não assinado.
Referências:
[1]Correio do Povo, 01/10/1931, p. 21. Arquivo Histórico Municipal de Porto Alegre Moysés Vellinho. A grafia original foi mantida.
[2]Flecha chama-se a medida de deformação vertical de uma viga ou laje quando submetida a uma determinada carga.