Ana Luiza Koehler
ou a arte de fazer arquitetura dos quadrinhos
Erick Azevedo
“Já mencionei em outro artigo, sobre os motivos para fazer hqs, que ela é ainda um linguagem subutilizada. Acredito que uma das causas principais é o próprio mercado, que cria fórmulas que aprisionam o autor e fazem uma seleção de publico, não só para o título em questão, mas para os quadrinhos como meio de expressão.
Se olharmos os iniciantes, sobretudo aqueles que pretendem ingressar nos mercados mais rentáveis, identificaremos uma padronização nos teasers e fanzines apresentados às editoras.
Mesmo se um roteiro é mais ousado e experimental, o autor senta torná- lo mais palatável ao público ou, pelo menos, ao que o editor pensa que o público quer.
Isso pode ser observado nos Estados Unidos, onde frequentemente o novo sucesso não tem a ver com o que estava na moda e surge quase por acaso. Bom exemplo é Frank Miller, que foi durante anos um desenhista de segundo escalão da Marvel.
Por tudo isto é animador encontrar um trabalho como o de Ana Luiza Koehler. Não que ela tenha um desenho experimental, como os trabalhos independentes mais influenciados pelas artes plásticas e que muitas vezes nem são HQ.
Os belos desenhos de Ana Luiza têm a marca do quadrinho europeu, mercado para o qual ela trabalha já há alguns anos, realizando histórias com conteúdo histórico com temas europeus, como as guerras napoleônicas, por exemplo.
Surpreende ouvir dela que seu traço teve grande inlluência de George Pérez, que ela admira ainda. Ana critica a influência da Image, que teria distorcido e exagerado a anatomia, criando figuras cada va mais idealizadas, com homens bombados com cintura de bailarina e o que eu chamo de “mulheres lordose”.
Arquiteta, Ana vinculou sua pesquisa de mestreado à criação de sua HQ, que tem como tema principal a modernização de Porto Alegre na década de 20. Apostando na caracterização de personagens como gancho para despertar e manter o interesse do público e na pesquisa histórica para dar pertinência e valor ao trabalho, a autora busca lançar seu projeto por uma editora daqui. Por isso, fez circular de forma gratuita um teaser realizado de forma extremamente profissional e bela. Através dele podemos vislumbrar um pouco destas possibilidades não exploradas dos quadrinhos.
Mesmo com um traço figurativo e uma linguagem nos moldes europeus, seu trabalho aponta para as possibilidades de registro histórico através da ficção, bem aos moldes de autores como André Toral, Marcelo Quitanilha e o francês Bourgeon.
O diferencial está justamente nesta abordagem, onde a história da cidade, a arquitetura, os problemas sociais que a reforma causou, a liberação feminina, questões de gênero, ideologias e preconceitos, delineiam um cenário com ares antropológicos onde nossa identidade aparece naturalmente. Nas páginas podemos ver a cara e o jeito dos brasileiros e notar o cuidado da autora para não cair nos estereótipos e simplificações que tanto limitam o desenvolvimento das HQs e de outras artes visuais. Basta ver o cinema.
Mal posso esperar para ver o resultado final deste trabalho. Desejo a ela sucesso, e ao leitor boa sorte, no sentido de que alguma das editoras daqui entenda o seu papel como incentivadora dos quadrinhos e da cultura brasileira e publiquem o projeto.”