O Beco dos Guaranis (Rua Vasco Alves)

Situado próximo à ponta da península, o Beco dos Guaranis é também uma travessa que corta as principais ruas longitudinais do centro, percorrendo as acidentadas encostas do espigão. Este beco aparece na planta de Porto Alegre de 1839 curiosamente nomeado como “Rua Principal”, e na planta de 1868 como “Rua da Guarda Principal”. Na planta de 1881, traz seu nome atual, o de “Rua General Vasco Alves”.

Beco dos Guaranis - Planta 1881
Figura 1. A “rua do General Vasco Alves”, antigo Beco dos Guaranis. Detalhe da Planta de Porto Alegre de 1881, de Henri Breton. Acervo do IHGRS.

O nome “Beco dos Guaranis” seria o mais antigo, e Coruja (1983 [1881]) traz a sua origem na seguinte passagem:

Havia um regimento de caboclos, ou todos da nação guarani, ou a maior parte deles, […]. Nesse beco, de que não diz a crônica qual o nome primitivo, estiveram por alguns anos aquartelados os guaranis, os quais em dia de Santa Bárbara, sua padroeira, divertiam a população com danças de cavalinhos de madeira pintada e revestidos a caráter com colchas e saiotes no terreno fronteiro que estava devoluto. Assim, pois, o povo começou e continuou a chamar Beco dos Guaranis. Mais tarde a edilidade ou quem quer que seja lhe deu o nome de rua da Guarda Principal, como se a guarda principal não devesse ser a do palácio do governo. Hoje tem a placa do General Vasco Alves; mas o povo (sempre o povo) que em pontos de história muitas vezes sabe dar quinaus à edilidade, ainda hoje não esqueceu o nome desses defensores da pátria que deram por ela a vida.[1]

Mais tarde, Achylles Porto Alegre (1940) confirma essa versão:

O quartel dos Guaranys ficava alli no cotovello das actuaes ruas Vasco Alves e do Riachuelo.

Por isso mesmo, a primeira das mencioadas ruas se chamava becco dos Guaranys e também da Guarda Principal.

Esta utlima designação lhe vinha do facto de estar na visinhança o antigo deposito da polvora, cuja guarda e vigilancia estava confiada á legião guarany.

O nome de becco dos Guaranys está completamente riscado da memoria dos contemporaneos; mas o de rua da Guarda Principal é ainda de vez em quando pronunciado por um ou outro velho tradicionalista, desses difíceis de acceitarem as bizarras tinturas do progresso.[2]

Contudo, o cronista traz um detalhe interessante sobre o prédio do antigo quartel que, a julgar pela sua descrição, teria se convertido em um cortiço. Isso confirmaria os indícios de precariedada das moradias dos becos, bem como dos casarões que entraram em decadência, tornando-se habitações multifamiliares para as camadas mais pobres:

Era um edificio vasto, próprio nacional, que como todos os da primitiva edificação da cidade, apresentava uma esthetica grosseira, mas uma solidez incomparavel.

Até bem poucos annos lá estava o seu esqueleto, mostrando todos os vestigios que o camartello [sic] do tempo imprime implacavelmente, não só nos indivíduos como nas coisas.

Com algumas janelas para a rua da Ponte, a entrada era pela Vasco Alves.

Ultimamente quasi em ruinas, era o tradicional predio occupado por gente do povo, em que predominava o elemento feminino – de vida airada [grifo da pesquisadora].

Hoje está todo o terreno amurado, com um portão que abre para a rua da Ponte. Alli, no ângulo recto, entre esta rua e a do General Vasco Alves, tem uma casinha de madeira [grifo da pesquisadora] onde môra [sic] Manoel Pereira da Silva, empregado na Casa de Correcção.[3]

Pode-se observar sinais claros de uma ocupação humilde e marginalizada nas palavras de Achylles Porto Alegre. Por sua vez, Franco (1988) confirma isso ao aportar os dados da Estatística Predial do Beco dos Guaranis:

A Estatística Predial de 1892 cadastrou nessa rua 54 prédios térreos, dois sobrados e dois assobradados. Mas só se lhe deu calçamento como decorrência de resolução de 9/11/1894, do Conselho Municipal, quando foi aceita a proposta do empreiteiro João Antônio de Medeiros para calçar a Rua Gen. Vasco Alves e outras, com as pedras retiradas da Voluntários da Pátria, onde foram colocados paralelepípedos.[4]

Pode-se dizer, pela proporção de casas térreas aí encontradas à época que o antigo Beco dos Guaranis era um lugar de ocupação modesta. Talvez por ser mais afastado do centro comercial e administrativo da cidade, e ter consequentemente menos importância à edilidade, tenha sido calçado somente em fins do século XIX.

Beco dos Guaranis - Vasco Alves Google Maps
Figura 2. Foto de satélite (Google Maps) da antiga ponta do Gazômetro, com a rua Gen. Vasco Alves assinalada. Edição da pesquisadora, 2018.

Quanto à presença dos povos originários em Porto Alegre, cabe lembrar que a cidade se forma numa área de milenar ocupação por povos originários, entre eles os guarani. Ainda que muitas fontes e documentos oficiais silenciem a respeito dessa presença que se vê no quotidiano da cidade, há ainda muito a se descobrir e mostrar sobre essas nações[5]. Portanto:

28-03-2018_área indígena 02_w
Figura 3. Cartaz de autor desconhecido na esquina das ruas Jerônimo Coelho e Marechal Floriano, Centro Histórico. Fotografia da pesquisadora, março de 2018.

Hoje a Rua Vasco Alves é uma pacata transversal da Duque de Caxias na ponta da península, em que se encontram o famoso Castelinho da Bronze, e alguns remanescentes dos seus tempos de beco, como mostram as fotos.

 

Tags: #pesquisa, #historiaurbana, #becos, #guaranis

Referências:

FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1988. pp. 414-415.

PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre. Edição organizada por Deusino Varela para as comemorações do bicentenário da cidade e officialisada pela Prefeitura Municipal. Porto Alegre, 1940. p. 56.

[1]CORUJA, Antônio Álvares Pereira. Antigualhas; reminiscências de Porto Alegre. Porto Alegre: Companhia União de Seguros Gerais, 1983. pp. 109-110.

[2]PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre. Edição organizada por Deusino Varela para as comemorações do bicentenário da cidade e officialisada pela Prefeitura Municipal. Porto Alegre, 1940. p. 55.

[3]PORTO ALEGRE, Achylles. História popular de Porto Alegre. Edição organizada por Deusino Varela para as comemorações do bicentenário da cidade e officialisada pela Prefeitura Municipal. Porto Alegre, 1940. p. 56.

[4]FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS, 1988. pp. 414-415.

[5] Para maiores informações, ver FREITAS, Ana Elisa de Castro. Mrur Jykre – a cultura do cipó : territorialidade Kaigang na margem leste do Lago Guaíba, Porto Alegre, RS. Tese apresentada ao PPGAS-UFRGS. Porto Alegre: 2005. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/14922

Deixe um comentário