O foot-ball nas ruas[1]
Que o futebol é um elemento imprescindível da cultura popular brasileira poucos poderão discordar, e há cem anos atrás os meninos de rua de Porto Alegre aparentemente não perdiam a oportunidade de praticá-lo nas ruas centrais da cidade. O cronista d’A Máscara, porém, desaprovava esse costume, exigindo da polícia medidas para enxotar os aspirantes a craques do espaço urbano. Afinal, o grande campo da Várzea, ou atual Parque da Redenção, não estava lá para isso? Como nunca antes, buscava-se naquela época disciplinar os espaços da cidade, mostrando que as ruas de Porto Alegre eram “civilisadas” e livres de “selvajaria”…
“Infelizmente continúam as nossas ruas mais centraes a constituir ground para matches de foot-ball aos rapazes desocupados. Na febre de uma cultura physica que mais não é do que o producto da epoca, esses garôtos não escolhem campo para celebrar as suas partidas. É ali, nas barbas do [sic] policia administrativo, ameaçando os transeuntes, partindo vidros, que levam a effeito os seus campeonatos.
O foot-ball, jogado com methodo, sob o olhar competente de um hygienista, não o negamos, é um sport recommendavel. Também não negamos que entre os vendedores de jornaes existe um grande desejo de desenvolver os musculos.
O que negamos é que os srs. guardas municipaes se portem com a energia devida.
As ruas centraes de uma cidade que devia ser civilisada é que não pódem e não devem ser transformadas em campos de matches e os transeuntes nem sempre estão dispostos a deixar que lhes partam os narizes com enormes bolas de couro.
Temos a Varzea e arrabaldes onde os moleques se pódem divertir á vontade sem perturbar a vida urbana e onde teem campo, não só para o foot-ball como tambem para ensaiarem a aviação, uma vez que estão tomados do delirio do sport.
A rua da Praia e adjacencias, senhores guardas municipaes ou chefes dos referidos, deve ser expurgada desse abuso que só em Porto Alegre se verifica.
Prendam os garôtos, arranquem-lhe as bolas, façam o que entenderem – mas não permittam mais que os forasteiros tenham tão triste ideia de selvajaria ao percorrer as nossas ruas.
E assim, senhores guardas municipaes, terão vocês os nossos applausos!”

[1] Revista A Máscara, Ed00013, 1920, p. 23. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. A grafia original foi mantida.