"O problema dos porões". Estado do Rio Grande, 03/12/1930, p. 6. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Foto.

“O problema dos porões”

A modernização de Porto Alegre nas primeiras décadas do século XX foi acompanhada por um grande problema de moradia, não sendo raro encontrar notas nos jornais falando da carestia, dos aluguéis altos, e da falta de habitações seguras e limpas em oferta. Enfim, o custo de morar na cidade para os trabalhadores pobres.

Assim, não era raro sublocar cômodos de casas, ou mesmo antigos casarões, e cobrar aluguéis caros por eles. Afinal, um teto na área central da cidade tinha o seu valor: era o custo de morar perto do trabalho contra o custo de ter que se deslocar todos os dias dos arrabaldes para o centro. Valia a pena pagar mais para habitar perto ou no centro, ainda que em condições seguidamente precárias.

Era comum, na virada do século XIX para o XX, que cômodos minúsculos e sem ventilação ou iluminação fossem alugados. Grandes salões de casarões abandonados eram subdivididos por tabiques de madeira para serem ocupados pelo maior número de locatários possível. Galpões de madeira eram erguidos para o mesmo propósito. E os porões, ainda que subterrâneos e com ventilação ainda pior, frio e umidade, não ficavam atrás.

O urbanismo e a medicina, porém, concorreram para que o poder público passasse a controlar as condições de habitabilidade dessas moradias improvisadas, exigindo drenagem de águas paradas, ventilação e iluminação adequadas. Incapazes de serem reformadas a contento, muitas avenidas, cortiços e galpões eram destruídos, deixando seus locatários sem teto.

O que se reporta nesta edição do Estado do Rio Grande de 3/12/1930 é uma dessas visitas de fiscalização da Directoria de Hygiene de Porto Alegre a um porão que seria destinado à moradia, com a consequências esperadas. O prédio da Coronel Genuíno provavelmente foi há muito demolido para dar espaço à construção da avenida Borges de Medeiros, pois sua numeração, se não foi modificada, não é mais localizável no mapa contemporâneo.

Na fotografia e mapa abaixo, pode-se observar a intersecção da rua Coronel Genuíno com a abertura incompleta da avenida Borges de Medeiros, mostrando a provável área em que a casa desta reportagem sitou-se. 

Avenida Borges de Medeiros, fotografia 4248f da Fototeca Sioma Breitman. Prov. 1940-1950.
Avenida Borges de Medeiros, fotografia 4248f da Fototeca Sioma Breitman. Prov. 1940-1950. Ao fundo, vê-se o trecho provável da rua Coronel Genuíno em que se situou a casa da reportagem. 
Detalhe do Plano Geral de Melhoramentos de 1914 mostrando o a área que aparece na fotografia acima. Acervo do IHGRGS.
Detalhe do Plano Geral de Melhoramentos de 1914 mostrando em amarelo o a área que aparece na fotografia acima. Acervo do IHGRGS.

“O problêma dos porões[1]

O director da Hygiene proibiu que um desses cubículos fôsse alugado

Doravante os porões que se vão desoccupando não mais poderão ser habitados

"O problema dos porões". Estado do Rio Grande, 03/12/1930, p. 6. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Foto.
O porão que deverá soffrer reformas afim de ser alugado”. Estado do Rio Grande, 03/12/1930, p. 6. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. Foto.

Uma das habitações que maior perigo offerece à saúde de seus inquilinos é, sem dúvida, a dos porões.

O ‘Estado do Rio Grande’ já se tem occupado amplamente desse importante problema, que em bôa hora mereceu a attenção do dr. Freitas e Castro, director da Hygiene.

Com effeito, a vida nessas habitações é de verdadeiro martyrio para os seus infelizes moradores.

Além de pagar um aluguel exorbitante, essa pobre gente está sujeita a adquirir graves enfermidades, devido à falta de ar e luz e à humidade existentes nesses porões.

É desolador o aspecto physico dos que residem nesses cubiculos. A tuberculose, principalmente, encontra ali campo aberto para ceifar vidas.

Tendo chegado ao conhecimento do director da Hygiene que o proprietário do prédio n. 400, da rua Coronel Genuíno, estava transformando o porão de sua casa para alugá-lo, o dr. Freitas e Castro dirigiu-se, ontem, pessoalmente ao local, afim de inspecioná-lo.

O director da Hygiene, apezar das reformas que estão sendo introduzidas nesse porão, proibiu que fosse o mesmo alugado para moradia.

O ar e a luz são ali escassos, o sufficiente para pôr em perigo a vida de seus habitantes.

O alludido porão possue uma porta e uma pequena abertura, tendo o dr. Freitas e Castro ordenado que se abrisse outra porta, para melhor arejá-lo.

Uma vez feita essa reforma, será permittido ao proprietário alugá-lo, não para moradia, mas para uma pequena officina.

Como noticiámos, com relação aos porões, havia determinado o dr. Freitas e Castro que fossem os mesmos desoccupados o mais depressa possível.

Agora, em vista da situação anormal por que atravessa o país[2], e não desejando agravar a situação dessa infeliz gente, resolveu o director da Hygiene que os porões, uma vez desoccupados, não mais poderão ser alugados.

Serão applicadas pesadas multas aos proprietários de casas que desobedecerem a essa determinação da Directoria da Hygiene”.

Autoria desconhecida.

"O problema dos porões". Estado do Rio Grande do Sul, 03/12/1930, p. 6. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.
“O problema dos porões”. Estado do Rio Grande, 03/12/1930, p. 6. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional.

Referências:

[1] Estado do Rio Grande, 03/12/1930, p. 6. Hemeroteca digital da Biblioteca Nacional. A grafia original foi mantida.

[2] Provavelmente o ator refere-se à grande crise que se abateu sobre o Brasil após a quebra da Bolsa de Nova York em outubro de 1929.

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