O bairro de Porto Alegre conhecido como “Colônia Africana”[1] foi um dos tradicionais territórios negros da cidade nas primeiras décadas do século XX, quando também teve famosos salões de baile dirigidos e frequentados pela comunidade local. Na história em quadrinhos “Viaduto”, busco reconstruir um desses espaços que ficaram famosos sobretudo nos anos 1930 e 1940, época de ouro do rádio e do samba: o Salão do Rui, situado no cruzamento das ruas Casemiro de Abreu e Miguel Tostes (antiga rua Esperança).
A reconstrução possível do exterior e do interior do seu prédio que fiz através do desenho é baseada numa descrição presente no livro Colonos e quilombolas: memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre, organizado pela historiadora e fotógrafa Irene Santos. Abaixo, transcrevo a passagem:
“O salão do Rui[2]
Dance a noite inteira mas dance direito…
Estatuto da gafieira, Billy Blanco
“O salão do Rui ficava na esquina da Miguel Tostes com Casemiro de Abreu. Um edifício à direita de quem sobe para a Independência. Era um dos vários que existiam naquele tempo. Tinha uma escadaria imponente com corrimão de madeira lustrada. Por ali desciam as rainhas das festas da Colônia para a coroação no palco, lugar de apresentação das grandes orquestras. Desciam as cantoras, Horacina Correa era a mais querida, tão elegante e afinada. Desceram também Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, Grande Otelo, Orlando Silva e Francisco Alves. Não era pouca coisa, não.
Tinha um corredor grande atrás da escada e no fundo, a copa, próxima aos banheiros. Na frente do palco tinha o salão com sacada na frente, enorme, onde as moças casadoiras e os rapazes sérios dançavam a noite toda. Cabiam umas quinhentas pessoas que deslizavam pelo piso encerado e se olhavam nos espelhos que circundavam a sala.
Havia dezenas de mesas quadradinhas e os garçons, trajando paletós impecavelmente brancos, passados a ferro, cuidavam de deixa-las limpas, recolhendo guardanapos, copos e garrafas utilizados.
A decoração do salão era feita com papel de seda e papel crepom. As moças, integrantes dos grupos carnavalescos promotores dos bailes, desenhavam e recortavam as figuras de papel. Os rapazes dependuravam as obras no teto e nas paredes.
Muitos encontros e casais promissores começaram ali, naquele trabalho conjunto de ornamentação. Entretanto, havia mais glamour em narrar uma troca de olhares antes da dança, uma delicadeza ou jura para conquistar a amada durante o baile, do que o afeto nascido entre retalhos de papel, cola, martelos, escada e pregos.”
Como se vê, o trecho traz uma riqueza de detalhes da arquitetura, das sociabilidades e da organização da comunidade da Colônia Africana na preparação dos bailes, e essas são histórias importantes a serem rememoradas.
Referências:
[1] Aproximadamente as áreas dos atuais bairros Bom Fim, Rio Branco e Mont’Serrat.
[2] SANTOS, Irene (org.). Colonos e quilombolas: memória fotográfica das colônias africanas de Porto Alegre. Porto Alegre: [s.n.], 2010. P. 86.