Porto Alegre não foi parcimoniosa com as suas construções da época colonial. Alvo de ferozes campanhas de demolição e demonização nas primeiras décadas do século XX, estes prédios que unem a tradição arquitetônica portuguesa da cidade com a de tantas outras do Brasil foram praticamente varridos da paisagem, sobrando alguns poucos exemplares como testemunhas dos tempos mais remotos da ocupação urbana.
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Um deles é o sobrado sito ao número 645 da Rua Riachuelo, no atual Centro Histórico, e que chama a atenção pela sua fachada tipicamente colonial (diretamente no alinhamento do lote, ou seja, sem recuo de jardim; abertura com grossos batentes de madeira e arcos abatidos).
Talvez o único elemento que destoe desta típica configuração colonial portuguesa seja a platibanda, provavelmente uma adição mais recente, visto que construções desse tipo usualmente tinham um beiral de telhas que descarregava a água das chuvas diretamente sobre a calçada, devendo tornar o trânsito nesses dias particularmente problemático. Já no século XX, posturas municipais taxavam pesadamente esse tipo de telhado na área central[1], fazendo com que muitas casas e sobrados o substituíssem por uma platibanda e calhas, mantendo, contudo, suas outras características de fachada.
Este parece ser o caso deste exemplar. Felizmente, conforme as fotografias tiradas no momento da elaboração deste post, o sobrado parecia estar restaurado e bem conservado, com fachada rebocada e pintada, porta e janelas com batentes e caixilhos pintados e renovados. Conforme as pesquisas encontradas até o momento, o prédio estava em estado de abandono e com diversos problemas de estabilidade e proliferação de pragas até bem pouco tempo[2].
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A historiadora Beatriz Valladão Thiesen, em seu trabalho de mestrado, relata que:
O Sobrado da rua Riachuelo 645 é um prédio de dois pisos. O térreo apresenta uma porta e duas janelas e, no andar superior, três janelas. Todas as aberturas são em arco abatido e os vãos possuem a mesma largura e a mesma distância entre si. Os dois andares também são simétricos entre si. A porta possui uma soleira de arenito intensamente gasta e as madeiras (marcos) das aberturas são maciças e em secção quadrada, parecendo ser as originais.
A casa está em ruínas, apresentando escoras na fachada que visam impedir que a parede frontal desabe. Os tijolos da construção estão, em grande parte, à vista o que permite a observação da técnica e materiais empregados na construção.
A inexistência de acabamento externo impede saber se havia algum elemento decorativo na fachada. Observa-se, apenas, uma platibanda simples. O prédio está tombado pelo município, e é considerado um exemplo de arquitetura colonial.
Não se conhece a data de construção do prédio, mas o lote onde encontra-se hoje já estava ocupado em 1839, conforme o plano de L.P. Diaz. A casa pertenceu nos anos de 1893 e 1895 a Firmina Ignácio Soeiro e nestes anos não houve ali nenhuma atividade econômica.[3]
A historiadora ilustra seu trabalho com a seguinte fotografia, que testemunha o longo período de abandono em que esteve o sobrado:
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Como mostra a galeria de fotografias tiradas em março de 2018 pela autora deste post, a realidade deste exemplar do patrimônio histórico e arquitetônico de Porto Alegre é, felizmente, outra. Um flagrante do Google Maps permite até espiar o sobrado de portas e janelas abertas.
Localização do sobrado no Google Maps. Fonte: a pesquisadora, 30/03/2018. Fachada do sobrado vista do outro lado da rua. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Fachada do sobrado vista do outro lado da rua. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Fachada do sobrado mostrando o alinhamento sem recuo à calçada. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Detalhe de porta e janela de arcos abatidos. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Janela com arco abatido e caixilhos de madeira tradicionais. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Janela com arco abatido e caixilhos de madeira tradicionais. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Vista aérea do lote em que está o sobrado via Google Maps. Fonte: a pesquisadora, 30/03/2018.
Janela aberta para a história da cidade. Fonte: a pesquisadora, 2018.
Referências:
SCIREA, Bruno. Protegidos por lei, prédios históricos sofrem com o descaso no centro de Porto Alegre. In: Zero Hora, 21/04/2015. Fotos de Ricardo Duarte/Agencia RBS. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2015/04/protegidos-por-lei-predios-historicos-sofrem-com-o-descaso-no-centro-de-porto-alegre-4743947.html
THIESEN, Beatriz Valladão. As paisagens da cidade: arqueologia da área central da Porto Alegre do
século XIX. Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História, área de concentração em
Arqueologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, sob a
orientação do Pro. Dr. Arno Alvarez Kern. Porto Alegre, setembro de1999.
[1] Ver MONTEIRO, 1995, p. 65.
[2] SCIREA, Bruno. Protegidos por lei, prédios históricos sofrem com o descaso no centro de Porto Alegre. 21/4/2015.
[3] THIESEN, Beatriz Valladão. As paisagens da cidade: arqueologia da área central da Porto Alegre do século XIX. Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre no Curso de Pós-Graduação em História da PUC-RS. Porto Alegre, setembro de1999. P. 114.