"A noite sagrada". Revista do Globo, Ano V, 23/12/1933, Nr 25. Desenho de Carlos da Cunha.

Presépios e pinheirinhos

O poeta, jornalista e cronista Athos Damasceno Ferreira (1902-1975), em seu livro Imagens sentimentais da cidade (1940), nos dá a ver como eram as celebrações natalinas na Porto Alegre do início do século XX. Segundo ele, da união das tradições açorianas e alemãs resultava a decoração principal das casas e das igrejas da cidade: os presépios e os pinheirinhos enfeitados. E ele ainda lembra da antiquíssima tradição de celebração do Natal na igreja dedicada ao Menino Deus, que deu nome a um dos arraiais, hoje bairro, mais antigos de Porto Alegre, de origem açorita.

“[…]

Outra cerimônia bem nossa, bem cá de dentro do coração, era a do Natal.

Os alemães, ao imigrarem para o Rio Grande, trouxeram no fundo do baú, junto com a primeira cerveja, o óleo de rícino […] – a sua ‘Weihnachtsbaum’.

Família com árvore de Natal na Alemanha, década de 1910. Acervo Bürgerleben.
Família com árvore de Natal na Alemanha, década de 1910. Acervo Bürgerleben. Disponível em: https://www.buergerleben.com/geschichte-weihnachtsbaum/

O pinheirinho, pejado de velinhas multicores, resplandecente de pomos prateados e doirados, rodeado de caramelos e brinquedos, não era usado aqui nas festas de 25 de dezembro.

Os açorianos comemoravam o nascimento de Cristo com presepes que se armavam nas igrejas e, às vezes, na própria casa da família.

Que bom era entrar numa capela e ficar olhando a minúscula paisagem cristã, com as suas montanhas de papelão, as casinhas espalhadas no vale escambrado e, na grama de papel pintado de verde, os burrinhos, os boizinhos e as ovelhinhas, pastando!

No primeiro plano ficava o pobre telheiro, sob o qual nasceu o Menino Jesus. Junto da manjedoura, Santa Maria e São José tinham os braços extendidos para a criança. Longe, no céu azul, brilhava a estrela anunciadora que havia de guiar, através dos caminhos difíceis, os Três Reis Magos. E, sobrevoando o humílimo berço do Messias, um anjo espalmava as asas brancas.

"A noite sagrada". Revista do Globo, Ano V, 23/12/1933, Nr 25. Desenho de Carlos da Cunha.
“A noite sagrada”. Revista do Globo, Ano V, 23/12/1933, Nr 25. Desenho de Carlos da Cunha.

Nem todos os presepes seriam dispostos com arte e equilíbrio. Mas todos eram enternecedores – mesmo aqueles em que, ao lado de uma casinhola pequeníssima, aparecia um burrico três ou quatro vezes maior do que ela. Ou aqueles em que o pastor, cabeludo e de cajado, era muito menor do que as ovelhas do seu rebanho. Ou aqueles até em que o Menino Jesus quase não cabia na manjedoura e era mais crescido do que Nossa Senhora e o Santo Carpinteiro…

Não importava. O que importava era a fé com que a Cidade se acercava de Cristo, no dia do seu nascimento.

As Igrejas se abriam à visitação do público no dia 25 de dezembro: – lá estavam os presepes iluminados, com as suas árvores, os seus regatos, as suas fontes e os seus flocos de algodão fingindo neve.

Na véspera, à meia-noite, celebrava-se a Missa do Galo.

Em 1853, a devoção do Menino Deus teve o seu Arraial e a sua Igrejinha.

Cartão postal de Porto Alegre, Bairro Menino Deus, por Hugo Freyler. Acervo desconhecido. Igreja do Menino Deus e avenida 13 de Maio (atual Getúlio Vargas).
Cartão postal de Porto Alegre, Bairro Menino Deus, por Hugo Freyler. Acervo desconhecido. Igreja do Menino Deus e avenida 13 de Maio (atual Getúlio Vargas).

O povo se tocava pra lá, Guaíba a fora, no vaporzinho ‘Balastraca’.

A capela ficava repleta de crentes, naquelas noites bonitas de Natal, acordadas dos hinos cantados no côro, tocadas da douçura das preces, perfumadas do incenso que subia dos turíbulos.

Depois do Natal – os Reis.

[…]”

Athos Damasceno Ferreira

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Athos Damasceno. Imagens sentimentais da cidade. Porto Alegre: Livraria do Globo, 1940. P. 159-161.

 

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