“Um becco onde a hygiene teria muito o que fazer”

50Nesta breve denúncia publicada no jornal O Estado do Rio Grande, novamente um espaço pobre da cidade aparece como foco permanente de imundícies, sendo portanto ação imediata do poder público para restaurar os bons ares da vizinhança daquele bairro da zona norte de Porto Alegre.

Desta vez já bem mais longe da área central da cidade, no bairro São Geraldo, o que o autor descreve ora como avenida, ora como viella, ora como cortiço e até mesmo becco provavelmente era um correr de casinhas paupérrimas, alinhadas ao longo de um dos lados de um terreno da rua Itália. Seriam portanto habitações minúsculas sem ventilação ou insolação adequadas, e sem saneamento, mas que seriam certamente uma fonte de renda para seus proprietários uma vez alugadas a trabalhadores pobres. Eram também conhecidas como avenidas, e este post traz mais informações a respeito desta configuração de habitações populares.

Segundo o texto, a solução das autoridades passaria necessariamente por acabar com essas viellas, não especificando exatamente qual seria a destinação de seus moradores.

“Viellas e avenidas[1]

Um becco onde a hygiene teria muito o que fazer

Um dos factores preponderantes para a deficiência hygienica em que vivem os bairros da cidade é, sem dúvida, o das habitações collectivas, mormente as localizadas em viellas ou ‘avenidas’, como o vulgo as chama.

Nas zonas onde o saneamento ainda não se fez sentir e onde as mais rudimentares normas de hygiene são absolutamente desconhecidas, a convivência em comum apresentava perigos facilmente compreensíveis.

Exemplo de correr de casinhas com tanque coletivo, e provavelmente banheiro coletivo também. Estado do Rio Grande, BNDigital, 1929, Ed00022, p. 05.

 

E esse perigo ainda se torna maior quando o convívio é estabelecido em becos onde não haja meio algum de asseio individual ou collectivo, que é facto comumente observado nesse gênero de habitações.

A Directoria de Hygiene do Estado, cujos propósitos de saneamento são bem conhecidos, tem se empenhado no sentido de acabar com essas viellas, que tantos males occasionam à saúde pública, pela insalubridade que ellas apresentam.

Na rua Itália[2], próximo à rua do Parque[3], existe um desses beccos[4], onde a auzência de hygiene attingiu a um tal grau que se torna impossível a passagem de transeuntes pelas immediações do local.

Detalhe da planta da cidade de Porto Alegre de 1916. Mapoteca do IHGRGS. Na marcação, as ruas do Parque e rua Italia.
Detalhe da planta da cidade de Porto Alegre de 1916, mapoteca do IHGRGS. Na marcação, as ruas do Parque e rua Italia.

Com dois ou três metros de largura, essa ‘avenida’ é um fóco permanente de immundicies, com as sargetas entulhadas de detritos, com estagnações de aguas podres, de onde se exalam fétidos odores.

Se insuportável à simples passagem pelo local o que não será a permanência e o convívio em um ambiente empestado e onde a rarefação do ar se torna um martirio?

Seria de grande utilidade não só para os seus moradores, como para o público em geral, que o Centro de Saúde da 3ª zona, cujos serviços estão affectos ao dr. Mário Corrêa Stadter, désse uma vistoria aos prédios desse cortiço, e providenciasse junto a quem de direito para a limpeza das sargetas e remoção dos detritos ali existentes.”

Autoria desconhecida.

Referências:

Estado do Rio Grande, 23/12/1929, p. 22. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.

FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre: Ed. Da Universidade/UFRGS, 1988.

[1] Estado do Rio Grande, 23/12/1929, p. 22. Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional. A grafia original foi mantida.

[2] Atual rua Santos Dumont.

[3] Segundo Sérgio da Costa Franco (1988, p. 309), “antiga rua do Bairro São Geraldo. Começa na rua Voluntários da Pátria e termina na Rua Conde de Porto Alegre”.

[4] O autor pode estar se referindo a uma avenida ou cortiço construído dentro de um terreno da rua, e não como um beco no sentido de rua estreita.

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